A natureza desta política<br>mais uma vez assume-se

Rui Fernandes

Qualquer verdade passa por três estágios:
Primeiro, é ridicularizada. Segundo, é violentamente combatida.

Terceiro, é aceite como óbvia e evidente.

Arthur Schopenhauer

O Governo entregou finalmente às associações sindicais da PSP a proposta de novo estatuto profissional. Podia-se qualificar a proposta apresentada como de traiçoeira, não fosse o facto de esse ser, entre outros, um traço transversal da acção do Governo. Ou seja, quem podia, na polícia, esperar coisa diferente? Quem podia acreditar, olhando à acção geral do Governo, que seria diferente para os profissionais da PSP?

Quando o ex- ministro Miguel Macedo afirmou, para polícia literalmente ouvir e aplaudir, que o Governo trataria de considerar de forma diferente o que não era igual, que seria reconhecida a especificidade da condição policial, quem é que no seio da PSP podia encarar essas palavras como sérias, como exprimindo efectivamente uma honesta concepção? O ministro Macedo deixou o Governo pelas razões conhecidas, mas o essencial, se não todo o conteúdo fundamental do projecto agora apresentado, foi produto da sua estadia no Ministério da Administração Interna (MAI). É conhecido que o projecto há muito estava elaborado (aliás, como no caso da GNR) e que a sua apresentação era um problema de gestão do momento. Obviamente que a actual ministra, ao corroborá-lo e ao tomá-lo como sua proposta, o subscreve. Temos, portanto, em torno deste processo, vários protagonistas com água no capote e têm de a assumir.

A proposta é isso mesmo, uma proposta; os sindicatos vão entregar as suas e ver-se-á qual o produto final. A base de partida é má! Mas não deixa de ser curiosa a reacção de que a ministra, segundo a comunicação social, demonstrou abertura a alterações. Aliás, segundo algumas notícias, até parece que a própria ministra discordaria do projecto apresentado. Se assim era, porque o apresentou? Entretanto, outras notícias dão conta simplesmente daquilo que é normal num processo com estas características, quando o mesmo é levado realmente a sério, ou seja, há uma proposta, há propostas de alteração e um processo de procura de convergência.

Há, todavia, um facto a assinalar em toda esta fase inicial, a saber: da parte do MAI até agora não se ouviu um único comentário. Têm sido as estruturas sindicais a falar pelo MAI. Se o silêncio do MAI não é necessariamente mau, nada indica que possa constituir qualquer sinal positivo.

Mau ponto de partida

A base de partida, como atrás é referido, é má, desde logo porque essa tal especificidade da condição policial não se vislumbra na proposta apresentada. O Governo, reconheça-se a coerência, prossegue aqui a mesma concepção que tem prosseguido para os militares, onde apesar de existir uma Lei de Bases Gerais da Condição Militar, consagrando direitos e deveres, decretou combate aos direitos, sem alterar essa Lei de Bases. Isto é, fala em condição militar para manter as restrições e proibições, e aplica os conceitos de leis gerais para cortar direitos, em nome, nuns casos, de uma suposta equidade, noutros casos do combate a privilégios, noutros, ainda, da situação do País.

A paleta de argumentos para os cortes é diversa. No caso da PSP, são os conceitos e princípios da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), da qual, dizia o MAI, a PSP estaria a salvo e que tanta incomodidade causou noutras forças e serviços de segurança que não ficaram com essa isenção, a pautar a proposta apresentada. Como o PCP alertou oportunamente, mais do que as palavras seriam os conteúdos a determinar a validade do reconhecimento da especificidade policial. A vida comprova a justeza desse alerta.

Da LGTFP decorre o proposto quanto a férias, regime de faltas, licenças, horário de trabalho, avaliações. De outras paragens legais, o que diz respeito a tempos de permanência em postos e regime para promoções, conducente ao envelhecimento do efectivo. A cereja em cima do bolo desta proposta governamental é a perda do direito ao uso e porte de arma quando da aposentação.

Mais palavras, para quê? É mais uma obra-prima de mais um governo dos mesmos que, nos últimos 38 anos, trouxeram o nosso País à situação em que se encontra.




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